sábado, 8 de dezembro de 2007

A Várzea - Capítulo 4

Por William Ferreira Cassemiro

Na várzea

- É, ele me falou que jogava uma bolinha no fim de semana. – disse Jorge.
- É... é verdade, falei mesmo... – confirmou o homem.
- Bolinha? – Ademar não se conteve e riu. – Aha ... Meio time... ele era meio time do Quinze! Esse cara jogava muito... – na empolgação, Ademar batia no peito do homem – E aí? Tá apreciando esses pernas de pau? Homem, como tem nêgo ruim de bola na várzea hoje... No seu tempo é que a várzea era boa... Pode pegar qualquer um daquele tempo, qualquer um!!! Se por nos times de hoje vira um craque, num tô falando de time do Brasil não, viu Seu Jorge? Qualquer time do mundo!!!
- É... – o homem, quase querendo se esconder de vergonha, concordou.
- Eu conto pros meus netos, não conto Paulo? – e antes que Paulo pudesse responder Ademar continuou – Conto sim: futebol era futebol mesmo na várzea dos anos 60, hoje só tem esses pernas de pau.
- É... é o que eu tô vendo... – o homem continuou concordando.
- Eu não disse que ontem mesmo eu tava contando pro Paulo, num foi Paulo?
- Foi sim. – Paulo não sabia se prestava atenção ao jogo ou ao Ademar.
- Tava falando daquele lance seu... – Ademar não parava de gesticular.
- Qual? – perguntou o homem.
- Aquele... – disse Ademar levantando as sobrancelhas e inclinando a cabeça.
- O de cabeça? – o homem fez uma cara de quem não sabia o que dizer.
- Não... – Ademar inclinou a cabeça pro lado esquerdo, bateu com as costas da mão direita na palma da esquerda fazendo um barulho que assustou o homem e explicou:
- Aquele pelas canetas do zagueiro...
- Ah... sei... foi sorte. – respondeu o homem.
- Sorte? – Ademar arregalou os olhos – Sorte do zagueiro, se não fosse você ter feito aquilo eu nem me lembraria dele. Pode ter certeza que muita gente só lembra daquele zagueiro por causa de você... Também... coitado... você gostava de driblar o infeliz, né?
- Ah, eu sempre fui de driblar... pra mim, é melhor que fazer gol! – finalmente o homem deixou de parecer encabulado.
- Homem, eu te digo... Hoje não tem driblador que nem nos anos 60... Tem Paulo? Tem Seu, Seu... Como é mesmo o nome do seu vizinho? – e Ademar deu com as costas da mão no peito do homem.
- É Jorge. – respondeu ele.
- Tem, Seu Jorge? Me diz? – e aproximou-se do moço.
- Tem não. – Jorge respondeu se afastando um pouco de Ademar.
- Não digo? Tem mesmo não... Hoje mal, mal o camarada sabe fazer uma “firulinha” e já vira fenômeno... Fenômeno!!! Eu dou risada quando escuto isso... – foi engraçado o modo como Ademar tentou mostrar o que era uma “firulinha”, com aquele corpo pesado se balançando de um lado pro outro, se não houvesse se segurado em Paulo o tombo seria inevitável.
- É... O pessoal exagera um pouco, – concordou o homem – mas tem muito garoto bom de drible ainda.
- Tem nada, o que tem muito é marcador ruim, – discordou Ademar e apontou para o campo – olha só... olha lá... olha... olha... aí... tô falando... – e deu de novo com as costas da mão no peito do homem – diz pra mim, não... diz pra mim, aquilo é drible que dá pra tomar? Tava na cara que o meia ia pra direita. Num tava Paulo?
- Claro... na cara. – concordou Paulo.
- Como é que alguém toma um drible desses? Não é o meia que é bom não, viu Seu Jorge? – Ademar puxou o assustado Jorge pelo braço e falou como se confidenciasse – É o marcador que é ruinzinho mesmo.
- É... o garoto vacilou agora. – interferiu o homem.
- Você tá sendo bondoso, – outro tapa no peito do homem – ele vacila toda hora... Lembra do zagueirão do Quinze?
- O Zé Mário? – o homem respondeu como quem pergunta.
- Não lembro o nome dele... Acho que era esse mesmo... um grandão... – Ademar disse levantando o braço à altura do zagueiro.
- Era o Zé Mário. – o homem sorriu e confirmou – Zagueirão.
- Então rapaz, ele tomava um drible desse? Paulo escuta essa... me diz o senhor, que jogou com ele: Ele tomava um drible desses? – disse Ademar enquanto mandava outro tapa no peito do homem.
- Nunca! – o homem respondeu já ficando mais para o lado, tentando evitar o próximo tapa.
- Então... – Ademar balançava a cabeça negativamente – acho que nem hoje ele tomava... porque ele pode tá aí com seus... seus 65, 70 anos? Mas vou te falar uma coisa... sabe muito de bola... Não tem molecagem na frente de quem sabe de bola... o camarada podia se contorcer pro lado que fosse... ele ficava ali... só cercando... quando o sujeito via... já tava sem espaço pra cruzar... perdia a bola.
- Passei muito por isso, – disse o homem abaixando a cabeça – tinha uns zagueiros que faziam assim mesmo, acabavam com o espaço.
- Você? Pára com isso. – retrucou Ademar – Eu não lembro de ter visto nenhum zagueiro fazer isso com você... eu lembro, viu Seu Jorge? – e puxou de novo o moço pelo braço – Presta atenção! Eu lembro é dele deixando a zagueirada perdida! Isso eu lembro!!!
- Não exagera, – o homem voltou a se envergonhar – fui muito bem marcado, teve jogo que eu rezei pra não receber bola porque sabia que o zagueiro ia ganhar.
- Que que é isso? Você? – nesse momento Ademar deu uma risada tão debochada que chamou a atenção até de quem estava em campo – Você rezando pra não receber bola? Só se fosse porque tinha dó do zagueiro. Quer dizer... tinha dó de alguns, né? Que a maioria comeu o pão que o diabo amassou na sua mão ou melhor, no seus pés!
- É... talvez... – o homem deu um sorrisinho amarelo – Tá, tá bom, um ou outro, não posso negar.
- Como é? Um ou outro? Ah... a idade te deixou muito modesto. – e Ademar disparou outro tapa com as costas da mão direita no peito do homem, que havia se descuidado da distância – Deixa eu contar pra esses dois aqui um lance que eu lembro, foi o seguinte... Presta atenção Paulo, escuta seu Jorge, foi o seguinte, esse cara recebeu a bola na meia cancha... – Foi nesse momento que o time local iniciou um contra-ataque e o homem aproveitou para tentar evitar que Ademar o deixasse mais constrangido:
- Opa, que bolão!!! É agora... espera aí... vamos ver esse lance... apóia lateral, vamos!!!
A bola foi lançada na esquerda, o zagueiro tentou deixar o lateral impedido, mas o bandeira mandou seguir. O ataque levava clara vantagem com o centroavante fechando pelo meio da área. Tudo o que o lateral tinha de fazer era cruzar na medida para o chute.
- Vamos!!! Isso!!! Joga na área, na área... – o homem se empolgou mas logo viu que não ia dar em nada – Ah não, puta que pariu... olha isso... ah... não é possível! Aquilo é lateral? É brincadeira, viu?... É parece que é o que você falou mesmo... Hoje qualquer um é jogador... no meu tempo um lateral sabia pelo menos cruzar.
- Nossa, no seu tempo... cê num vai fazer essa sacanagem com você mesmo, né? Não vai se comparar com esses perebas aí... Deixa eu continuar... – outro tapa de Ademar no peito do homem – olha Paulo, presta atenção Seu Jorge...eu já te falei daquele jogo que o nosso craque aqui entrou com a perna enfaixada, Paulo?
- Não lembro... – Paulo fez uma cara de quem não fazia a menor idéia de que história Ademar falava.

Continua na próxima terça o último capítulo da série A Várzea.

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