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Num boteco da Lapa, extinto reduto da mais linda mistura de intelectualidade e boêmia que o Rio de janeiro já conheceu, eclodiu a discussão. Ali, na mesa de madeira reaproveitada do saudoso boteco, eu e Rodrigues. A pauta era o tal Sobrenatural.
Entre um gole e outro de café expresso, Nelson pergunta:
– Diga lá meu garoto. O que quer saber?
– Bom... Já revirei tua biografia, bisbilhotei tua história e descobri milhares de verdades e mentiras a teu respeito, ainda assim, nada me chamou tanto a atenção quanto a criação do personagem Sobrenatural de Almeida.
– Personagem? – pergunta Nelson assustado.
– Não é? – pergunto confuso.
– Sobrenatural! – berra Nelson.
Detrás da mesa de bilhar surge um sujeito de garbo e elegância, de branco dos pés a cartola.
– Diga lá meu chapa – atende o sujeito, sem ao menos olhar-me.
– Esse jovem repórter quer ouvir tua história.
Atônito e abobado permaneço imóvel sentindo calafrios. O que tinha na cerveja?
Durante 45 segundos fiquei ali, analisando a realidade daquela figura, confrontando-a com as vertigens da mente.
Onde sou? Quem estou eu?
Decidi desencanar. Segue o jogo. Gravador ligado. Fita marcada. Outro gole na cerveja, agora quente e em seguida a primeira pergunta:
– Onde você iniciou sua carreira?
Com olhar malandreado, de quem reacende o passado na memória, ele emenda de primeira, sem vacilar.
– Na várzea.
Meus olhos brilham de fascinação com a resposta, me comovo, sou amante do terrão e estou diante de sua maior estrela.
Mas antes que eu possa tomar fôlego para nova pergunta o barulho ensurdecedor do aparelho despertador esfacela as nuvens dos meus sonhos.
“... Vai trabalhar vagabundo. Vai trabalhar criatura. Deus permite a todo mundo, uma loucura. Passa o domingo em familia. Segunda-feira beleza. Embarca com alegria, na correnteza.”, na voz de Chico, ecoando no velho radinho de pilha.
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