sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Ser goleiro fora de casa é...

Esse é o primeiro de muitos contos que vou dividir com você a respeito do mundo paralelo do futebol de várzea. Uma prática que mobiliza moradores de um bairro e que faz do domingo o dia sagrado dos boleiros de plantão.

A idéia surgiu numa discussão minha com mais três amigos jornalistas e daí, vai nascer um novo documentário sobre o mundo da bola: o Contos da Várzea. Então, como estamos em intensa produção, a cada nova boa história, vou documentar aqui, nesse nosso espaço de bate papo e reflexão do futebol.

Essa eu escutei de um amigo radialista, mas como não perguntei pra ele se posso falar o nome, vou usar um apelido fictício. Zezão, o goleiro prometido!

A situação era simples e, pra quem joga várzea, bem natural. Uma final no campo do time adversário. O cenário, já viu né?!? Casas de alvenaria contornavam o campo de terra batida. Num dos lados, aquele alambrada mal acabado onde o lateral esfola o braço sempre que passa na corrida.

Jogo duro os dois tempos e o juiz fez que fez pra roubar pro time da casa, mas não deu certo. Fim de jogo sem gols e decisão nos pênaltis. Torcida xingando, pressão nos olhares. O goleiro Zezão estava satisfeito com as boas defesas durante o verdadeiro duelo. Valia mais que o churrasco e a cerveja. Valia moral entre alguns envolvidos no bairro. Coisa de cachorro grande.

Primeiro chute dos donos do campo. Zezão vai para o gol, reza, benze as traves, beija as luvas. Mesmo pedindo tanta proteção eis que surge um cara bem mal encarado, que não era do time da casa, mas que era da casa, entendeu?

- Aí goleirinho maluco. O negócio é o seguinte. Ta vendo um maluco no alambrado olhando pra você?

Era tanta gente que Zezão não sabe se viu, mas fez que viu. E o mal encarado continuou:

- Então, ele tem uma menininha na cintura. Se você defender um pênalti, ele vai apresentar você pra ela, certo?

E Zezão, trêmulo, sem falar nada, só fez positivo com a cabeça. Na cabeça, a preocupação de como deixar a bola passar, porque pra ele era mais difícil deixar deixar o gol - sem ninguém perceber que foi de propósito - do que defender a batida. E ele só imaginava o brilho da tal menininhacuspidora de balas apontada praa ele se defendesse alguma bola..

Primeiro chute, ele esperou a bola ser chutada e pulou pro outro canto. Gol! E os amigos do time reclamaram:

- Pô Zezão, vai com moleza assim na bola? Ta de bruncadeira? Você defende pra caramba mano! Vamos defender isso aí, pô!

Hora do seu time bater. Zezão torcia pra que todos errassem. Ele não queria ser responsabilizado por nada e nem ser apresentado à menininha nenhuma. Só que os jogadores batiam bem, não erravam um pênalti sequer.

De volta ao gol, mesmo esquema. Pára, chuta, olha, pula pro outro lado, gol. Ufa! Escutava poucas e boas dos seus amigos. Só que o olhar estava no mal encarado que, do alambrado, olha feio pra ele. Assim foi até as últimas cobranças. Zezão, pressionado pelos companheiros decidiu escolher canto. Tava muito na cara que ele deixava passar. Ou ele era apresentado para menininha ou seria esfolado pelos amigos no fim do jogo.

Ele olhou para o jogador, fechou os olhos e escolheu um canto. Como câmera lenta, sentiu algo bater nas mãos. Tinha que ser a trave, mas os gritos dos jogadores do seu time anunciavam a... a cagada.

- Aêê Zezão, linda defesa mano! Você é o melhor! Chuuupa Chuupaa!! Defezaça!

Zezão tentava acalmar a euforia dos amigos, que além de gritarem como loucos, ainda mostravam o dedo pro adversário e pra toda a torcida. O coitado do goleiro estava suando frio, já pensando na cor do seu caixão para logo mais.

Último chute dos donos da casa. De fora, o mal encarado tinha cara mais feia de todas. Zezão embaixo da trave mais uma vez. Se pegasse de novo era fim de jogo e título garantido. Se deixasse passar, tudo ia continuar. Parado Zezão decidiu ficar onde estava. No meio do gol com os braços abertos. O adversário olhava pra ele fulminante. Tomou distância, correu e chutou com força.

Zezão quase caiu no chão, a bola batera bem no peito. Uma bela medalhada e era o fim. Zezão campeão. Gritaria de comemoração. Zezão não sabia se a dor no peito era da bolada e se tinha sido apresentado para a menininha. Meio a festa, Zezão pedia calma pra rapaziada, que não adiantava em nada, e tentava ver onde estava o futuro matador.

Do meio da multidão, o mal encarado apareceu. Já gelado, Zezão só esperou. Cara a cara, olho a olho. Aliás, os dois bem vermelhos. O mal encarado, sangue nos olhos. Zezão, quase chorando quando ouviu:

- Ai maluco, seguinte. Fica tranqüilo, mano. Meu time não representou certo?!? Vou rolar uma idéia com o treinador e dá uma dura nos cara que não sabem nem bater um pênalti. Vai na paz e parabéns aí, mano!

Coisas que só o Contos da Várzea traz pra você!

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