domingo, 23 de setembro de 2007

A poeira que sobe do chão de terra vermelha esconde mais que lances, camisas ou jogadas de gol. Esconde medos, sonhos, decepções, tristezas...

Esconde sábados e domingos perdidos em troca de viagens, concentrações, promessas, discussões com a mãe, que insistia que o único filho deveria era logo arrumar um emprego, pois a despensa já fazia eco pela falta do arroz, feijão e mistura.

E a barba crescida já denunciava que o menino já se tornara homem, mas ainda dormia com a bola ao lado...

A poeira da Várzea esconde manhãs de domingo, que diferente da semana cinza, ainda sobrava algumas moedas, e que com elas o menino corria para a primeira banca de jornal para comprar figurinhas Panini. Com mesma rapidez, voltava-se para o rádio. Ouvia Milton Neves no Plantão de Domingo contar histórias de grandes craques, que também “nasceram da terra”. Como ele queria nascer.

E lá, com o álbum de fotos pequenas, e com olhos grandes, se via jogando para a Fiel inteira assistir. Num Palmeiras e Corinthians com o Pacaembu lotado, em final de Paulistão. Ôh, sonho.

A poeira encarde sorriso feliz de tio orgulhoso. Aquele que vendeu a CG 500 só para trazer o menino, que era só uma promessa, para tentar a sorte na capital. Esconde treinador de final de semana, que troca a gravata e o terno pelo “puta que o pariu, Vandeco”. É uma quase uma poesia, não?!? Drummond, talvez.

Mas a poeira que sobe na várzea esconde também muitas frustrações. Do menino inexperiente, sonhador, explorado por gente gananciosa que o prometeu a “10” do Flamengo, quando não tinha capacidade de nem ao menos dar um par de ingressos para o próximo jogo do campeonato do bairro.

Esconde filho rancoroso, que só perdoou o pai depois do ataque fulminante de coração. Senhor daqueles embriagados de sexta à noite, a quem a cachaça derrubou na esquina de casa, impedindo que o filho, craque de bola, fizesse a tão sonhada peneira no São Paulo. Naquela manhã de sábado, o menino ainda era criança. Nem ônibus sabia pegar...

A poeira da várzea, a mim, parece triste. Não é balé, mas tango. Cadente. Reflexivo. Sofrido. Parece com as tardes de domingo. Aquelas com sol avermelhado ao fundo, cujos raios dizem aos meninos, que já trabalham como homens, que o dia acabou, e que é hora de descansar um pouco, pois a segunda-feira já vem aí.

A vida sofrida, longe da manchete dos diários esportivos, deve continuar. Com ônibus cheio, patrão estúpido, salário baixo...

PS: Este texto é dedicado ao repórter esportivo Mario Balla, que desde quinta-feira resolveu transmitir os jogos do verdão lá do Céu. Sem Debate Bola, ele agora abrirá as cortinas deste espetáculo chamado futebol ao lado de Fiori Gigliotti. Que assim seja, então.

Um comentário:

Anderson Marin Lima disse...

Excelente texto! Uma bela homenagem!!
E achei ótima a transfomação daquela correria no domingo de manhã, junto com outros 21 companheiros, numa bela hitória!