segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Massagista no terrão é...

Texto: Arthur Tirone Doutor Zé (o todo de branco, primeiro em pé da esquerda para a direita, na foto aí de cima) seria apenas mais um José não fosse seu inexplicável relacionamento com a água; dizia ser a água o único remédio capaz de curar qualquer tipo de mazela, de olho de peixe à espinhela caída. Começou jovem como massagista do Anhanguera (time da Barra Funda, Zona Oeste de Sampa). Numa das primeiras partidas em que estava no banco, um jogador chamado Pardal sofreu uma fortíssima torção de joelho, e demoraria tempos para ficar bom. Mas voltou a jogar em uma semana após o Zé ter-lhe feito uma massagem esfregando apenas água no combalido joelho. Zé, um analfabeto, passou então a ser chamado de “Doutor Zé”. Sua massagem milagreira curou, por completo e instantaneamente, várias torções, algumas luxações, um ou outro problema muscular e - há que jure - uma fratura exposta; tudo à base, pura e simplesmente, de H2O.

Fotos: Diego Viñas
Arthur é o de vermelho, o quarto de pé da esquerda para a direira (ou da direita para a esquerda rs)

Após se espalhar pelo bairro a notícia do primeiro milagre, o “Caso Pardal”, o Zé, já devidamente apelidado de Dr. Zé, aderiu à alcunha e assumiu por completo a profissão que, se não angariou em bancos universitários, afirmava, por obra do Homem, ter se formado antes mesmo de nascer. Passou então a freqüentar os jogos do Anhanguera todo de branco, dos pés à cabeça. À tiracolo levava sua maleta de primeiros socorros que continha vários frascos de água e um vidrinho com água benta para os casos mais graves. Coincidência ou não, foi a época que o sport do Anhanguera ficou mais tempo invicto (quatro anos); os jogadores não tinham receio de botar o pé, a perna e até mesmo a cabeça em qualquer dividida!

Acreditava-se que Zé incorporava o espírito de um médico morto na Primeira Guerra Mundial, que morreu afogado - daí a óbvia intimidade com a água. Passou a ser muito requisitado pela população e bateu a famosa Dona Marcina em número de benzeduras. A pedidos, abençoava a água alheia e, por causa disso, foi o maior inimigo do Padre Luis, que ficou por cinco décadas a fio à frente da Igreja de Santo Antonio.

Esses são alguns dos troféus na sede do Anhanguera. Ali tem taça da década de 30

Passou, então, a diagnosticar doenças, adivinhar a previsão do tempo e os números da loteria, tudo isso sem sucesso algum. Dr. Zé jamais deixou de ser massagista do Anhanguera e morreu tempos depois vítima de um câncer que nem sua água benta conseguiu curar.


* Texto reelaborado para coluna Contos da Várzea do Jornal MAIS

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